terça-feira, 24 de agosto de 2010

QUAL É O SEU TALENTO

QUAL É O SEU TALENTO
Por Mariana Lemann, de Nova York
Você não precisa ser perfeito no trabalho, mas deve encontrar três ou quatro coisas que sabe fazer melhor do que 10.000 pessoas. É o que afirma o cientista social Marcus Buckingham, do Instituto Gallup.
O americano Phil Jackson, técnico do Chicago Bulls, time da NBA, a liga nacional de basquete dos Estados Unidos, conduziu a equipe ao primeiro lugar no pódio por seis vezes durante os nove anos que a liderou. Quando deixou o grupo em 1999 para assumir o comando do L.A. Lakers, além das vitórias, levou na bagagem sua experiência, know-how e uma lista de livros. Para cada jogador do time de Los Angeles, recomendou uma obra. Kobe Bryant, por exemplo, recebeu o livro The White Boy Shuffle (em português seria algo como O refúgio do
garoto branco), de Paul Beatty, que conta a história de um garoto negro criado numa comunidade branca -- exatamente os desafios do jogador, que cresceu num subúrbio da Filadélfia. Para Shaquile O'Neal, um dos melhores jogadores do mundo, escolheu a autobiografia Ecce Homo, do filósofo Friedrich Nietzsche. A obra trata da busca do homem por identidade, prestígio e poder. Com os livros, Jackson queria mostrar que reconhecia as
competências da equipe e estava focado no que ela realmente precisava para alcançar as vitórias. O mérito do treinador foi perceber o perfil de cada jogador e, por tabela, seus desafios e talentos. Sim, porque todo mundo tem pontos fortes. O problema é que poucas pessoas conseguem reconhecê-los e, sobretudo, desenvolvê-los. Essa é uma das principais conclusões do inglês Marcus Buckingham, cientista social e político formado pela
Universidade de Cambridge, um dos autores do livro Now Discover Your Strengths (Agora, descubra suas forças), da editora Free Press, que narra a história citada acima. O livro é resultado de uma pesquisa com 2 milhões de profissionais de todo o mundo, conduzida pelo Instituto Gallup durante 30 anos. A equipe dedicou-se a descobrir como trabalhadores com desempenho excelente transformam talento em força. Lançada este ano, a obra já virou bestseller nos Estados Unidos, com 126 000 exemplares vendidos no primeiro semestre. Nesta entrevista a VOCE s.a, Buckingham fala sobre como encontrar e desenvolver seus próprios talentos, tema que vem estudando nos últimos 15 anos.
Como o senhor define talento?
Talento é aquela característica que as pessoas reconhecerão em você durante toda a vida. É um padrão de pensamento, sentimento ou comportamento. Se você é naturalmente competitivo, isso é um talento. Se é persistente, isso é um talento. Até características aparentemente negativas podem ser interpretadas como talentos, se utilizadas de maneira produtiva. Por exemplo, se você é obstinado e trabalha com vendas, provavelmente a sua
persistência o ajudará a batalhar muito mais a cada negócio.
Qual a origem do talento?
Ele surge de duas fontes. A primeira é a herança genética. Os especialistas acreditam que de 50% a 70% do talento tem origem nos genes que o indivíduo recebe dos antepassados. A segunda fonte é o tipo de educação que ele teve ao longo de sua vida. A pessoa desenvolverá determinadas características de acordo com as respostas que tiver da família, dos amigos e dos professores. Uma descoberta importante para o estudo dos talentos é a de que o cérebro é elástico e flexível nos primeiros anos de vida. Dos 3 aos 15 anos, novas estruturas são adicionadas à rede de neurônios e outras são descartadas. Aos 15 anos, a pessoa tem metade das conexões sinápticas que tinha aos 3. Isso porque ao longo desse tempo o indivíduo usa algumas conexões mais do que outras. A natureza se encarrega, então, de canalizar recursos para manter as conexões mais fortes: ela constrói veias e artérias, cria mais proteínas. As outras conexões tendem a desaparecer. Portanto, fica muito mais difícil "rearranjar" o cérebro depois desse período. Um executivo não consegue se tornar competitivo aos 27 ou 37 anos se já não havia desenvolvido essa característica anteriormente.
O profissional competitivo é muito valorizado pelas empresas atualmente. O que fazer se você não tem essa característica?
Em todas as áreas existem características que são indispensáveis. Se você não as tiver, vai falhar. Por isso, para que não se tornem pedras no meio do seu caminho, é preciso trabalhar os pontos fracos. O problema é que as pessoas confundem a necessidade de controlar as fraquezas com a de desenvolvê-las para que se tornem pontos fortes. Não acredito que esse seja o melhor caminho.
Então, qual seria o melhor caminho?
Butch Harmon, o treinador do campeão de golfe Tiger Woods, é um exemplo a ser seguido.
Ele pegou a melhor jogada de Tiger e tratou de aperfeiçoá-la. Cuidou para que os pontos fracos do jogador não o atrapalhassem. Foi um grande esforço para os dois, mas a força de Tiger se tornou tão grande que fez com que seus pontos fracos se tornassem irrelevantes ante as suas qualidades.
É essa a solução para o crescimento profissional?
Acredito que sim. Se você se preocupar somente em reparar seus pontos fracos, vai travar sua carreira. É mais fácil, confortável e até pouco criativo tentar superar os pontos fracos. São soluções óbvias para problemas óbvios. A melhor forma de crescer é encontrar seus pontos fortes e aperfeiçoá-los no lugar de tentar atacar os pontos fracos.
Mas por que as pessoas não fazem isso?
Porque as pessoas dão mais atenção às fraquezas do que aos pontos fortes. Nossa pesquisa revelou que a maioria dos profissionais acredita que conhecer as fraquezas é o que realmente ajudará o seu crescimento. Apenas 24% dos japoneses e dos chineses, por exemplo, acreditam que a chave para o sucesso está na descoberta e no desenvolvimento dos pontos fortes. Os americanos estão mais focados nas qualidades. Para 41% deles, o profissional tem de investir em seus talentos para alcançar o sucesso.
E qual a razão para tantos profissionais insistirem em focar em seus pontos fracos e quase desprezarem seus talentos?
Há muitas razões para isso. Mas o medo está por trás de todas elas. O fato é que as pessoas têm medo de falhar, medo de encarar suas limitações. Então, dedicam tempo e energia demais tentando repará-las, e deixam as qualidades para trás.
Mas há pessoas que descobrem seus talentos com mais facilidade do que outras?
Algumas pessoas são naturalmente mais inquisitivas e mais conscientes de si mesmas. Elas estão sempre se perguntando: "Quem sou eu?", "Para onde quero ir?" Pessoas inquietas, que têm sede de aprendizado, geralmente têm maior interesse em se tornar cada vez mais competentes. Elas estão mais em contato com as próprias emoções e com as emoções das outras pessoas. Mas a maioria de nós precisa de uma mãe, um amigo, um chefe ou um professor para ajudar a "segurar o espelho". São essas pessoas que nos ajudarão a enxergar os nossos próprios talentos. Por mais estranho que seja, não é nada fácil reconhecer que existem coisas em nós que são raras e especiais. Para construir uma carreira produtiva, o grande desafio não é tentar ser perfeito, mas encontrar três ou quatro coisas que você consiga fazer melhor do que outras 10 000 pessoas.
Como não confundir coisas que gostamos com coisas para as quais temos talento?
Nós gostamos das coisas por diferentes motivos. Gostamos de certos trabalhos porque eles parecem ter mais prestígio. Gostamos do que nossos amigos valorizam. Você pode achar que gostaria de ser um diretor de cinema porque é glamouroso estar por trás das câmeras, ou trabalhar com relações públicas pelos eventos sociais. Mas, resumindo, a única forma de saber se você tem talento para determinada atividade é verificar se você consegue desempenhá-la de forma consistente e quase perfeita. O desempenho é a medida absoluta para o talento real.